O Mar e a poesia de Sophia Breyner Andresen, Vieira de Barros, Agostinho Baptista, Ricardo Reis, Fernanda de Castro e outros

No dia 18 de Agosto de 2012 realizou-se mais um encontro de Poetas Aqui. Connosco, desta vez decorrido numa varanda poética gentilmente cedida pelo dramaturgo e jornalista Fernando Sousa situada dentro da magnífica paisagem da Praia do Magoito. Filipe de Fiúza propôs a todos os presentes um encontro em que o Mar foi o poeta convidado e para e de onde convergiram e divergiram as mais variadas experiências poéticas e de vida dos participantes. Houveram ainda vários momentos musicais por João Sol e Rita Real.







SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN




Inscrição

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar

do livro "MAR - Antologia de Poemas sobre o Mar"


Reino

Reino de medusas e água lisa
Reino de silêncio luz e pedra
Habitação das formas espantosas
Coluna de sal e círculo de luz
Medida da Balança misteriosa

do livro "MAR - Antologia de Poemas sobre o Mar"


Praia

Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.

Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixeis.

Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.

As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.

E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.

do livro "MAR - Antologia de Poemas sobre o Mar"


JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA




Melodia

Este é o orvalho dos teus olhos.
Esta é a rosa dos teus vales.
O silêncio dos olhos está no silêncio das rosas.
Tu estás no meio,
entre a dor e o espanto da treva.
Arrancas-te ao mundo e és a perfumada
distância do mundo.
Chego sem saber, à beira dos séculos.
Despenho-me nos teus lagos quando para ti
canta o cisne mais triste.
O pólen esvoaça no meu peito, junto às tuas
nuvens.
Esta é a canção do teu amor.
Esta é a voz onde vive a tua canção.
As tuas lágrimas passam pela minha terra
a caminho do mar.

do livro "Paixão e Cinzas"


É no sul onde me demoro

É no sul onde me demoro.
Há uma varanda em frente onde espero o
entardecer,
essa hora mais lenta,
limiar da noite e do coração, quando soam os
punhais.

Estranhas são as nuvens deste céu litoral.
Passam, param,
soltamse em intoleráveis figuras,
animais do vento, altíssima visão.

à esquerda é o caminho para o areal.
Do outro lado alguém toca,
os dedos ferem as cordas,
florescem as notas de um lamento distante.

Quantas noites estarei aqui,
nesta varanda do sul,
no entardecer destes países,
nas cordas de um cântico mortal?

do livro "Morrer no Sul"


ARMANDO VIEIRA DE BARROS



VIII

Oh Lua, plácida Lua,
a luz que te veste assim
com alvuras de marfim
e que mostras não é tua,
mas do beijo fulgurante
que o Sol te dá dia-a-dia
na tua face penante
de fria melancolia!

Oh, musa da soledade,
triste e bela adormecida
sob o véu da eternidade,
tua alma está morrida
e jamais o Sol te alenta,
pois os bons deuses da Vida
se dispersam em seguida
quando a alma se ausenta!

Mas, alma, quando a tiveste?
- essa vulcânica ardência,
ora subtil ou agreste,
de magmática essência
criadora de energias
gestantes, prodigiosas
para manhãs radiosas
de novos e claros dias.

do livro "Este Sol que me Aquece"


Será que percebe, então

Será que percebe, então,
o sopro leve
que passa breve
a rondar p'la escuridão?
Por si roçando
de quando em quando
como carícia de mão;
depois, baixinho,
grave, mansinho,
num múrmurio modulado
e segredante
de voz distante
de algo fluído, alado,
nunca visível,
só perceptível
e presente em todo o lado
como louco vagabundo,
ora dançando
ou sussurrando,
a girar livro p'lo mundo

do livro "Este Sol que me Aquece"


FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO




Viver na Beira-Mar

Nunca o mar foi tão ávido
quanto a minha boca. Era eu
quem o bebia. Quando o mar
no horizonte desaparecia e a areia férvida
não tinha fim sob as passadas,
e o caos se harmonizava enfim
com a ordem, eu
havia convulsamente
e tão serena bebido o mar.

do livro "Três Rostos - Ecos"


FERNANDA DE CASTRO




Não Fora o Mar!

Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.

Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.

Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.

Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.

Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.

Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.

Não fora o mar
e o meu canto seria flor e mel,
asa de borboleta, rouxinol,
e não rude halali, garra cruel,
Águia Real que desafia o sol.

Não fora o mar
e este potro selvagem, sem arção,
crinas ao vento, com arreio,
meu altivo, indomável coração,

Não fora o mar
e comeria à mão,
não fora o mar
e aceitaria o freio.

do livro "Trinta e Nove Poemas"



ANTÓNIO GOMES LEAL




Carta ao Mar

Deixa escrever-te, verde mar antigo,
Largo Oceano, velho deus limoso,
Coração sempre lyrico, choroso,
E terno visionario, meu amigo!

Das bandas do poente lamentoso
Quando o vermelho sol vae ter comtigo,
- Nada é mais grande, nobre e doloroso,
Do que tu, - vasto e humido jazigo!

Nada é mais triste, tragico e profundo!
Ninguem te vence ou te venceu no mundo!...
Mas tambem, quem te poude consollar?!

Tu és Força, Arte, Amor, por excellencia! -
E, comtudo, ouve-o aqui, em confidencia;
- A Musica é mais triste inda que o Mar!

do livro "Claridades do Sul"



RICARDO REIS

Inutilmente Parecemos Grandes

O mar jaz; gemem em segredo os ventos
Em Eolo cativos;
Só com as pontas do tridente as vastas
Águas franze Netuno;
E a praia é alva e cheia de pequenos
Brilhos sob o sol claro.
Inutilmente parecemos grandes.
Nada, no alheio mundo,
Nossa vista grandeza reconhece
Ou com razão nos serve.
Se aqui de um manso mar meu fundo indício
Três ondas o apagam,
Que me fará o mar que na atra praia
Ecoa de Saturno?

do livro "Odes"


Sem comentários:

Enviar um comentário